Bloomberg Opinion — A ata da reunião de política monetária do Federal Reserve de 15 a 16 de março está gerando muita discussão sobre os planos do banco central de reduzir seu balanço inflado de US$ 9 trilhões. Obviamente, haverá implicações para a economia e os mercados financeiros, mas ainda não se pode determinar com confiança suficiente quais precisamente serão essas implicações.
É inevitável que leve tempo. Portanto, deixo aqui algumas questões importantes sobre as quais vale a pena pensar nas próximas semanas:
Por que isso importa
Existe uma maneira simples, mas perspicaz, de pensar sobre como e porque a redução no balanço do Fed é importante.
Imagine que você está pensando em comprar uma casa e ouve que o dono de muitas casas no bairro está pensando em vendê-las. Imagine que esse proprietário tenha dobrado o número de casas que possui nos últimos dois anos, comprando-as com pouca preocupação com preço e valor. E imagine que o proprietário será igualmente insensível ao preço ao vendê-las ao longo do tempo.
Eu suspeito que você pensaria mais se deveria comprar sua casa depois de saber disso. De fato, você precisaria de um motivo mais forte para fazê-lo, devido a preocupações sobre avaliações diante de um vendedor grande, persistente e não comercial.
Esta é a situação que o mercado de renda fixa enfrenta agora que o Fed sinalizou que está considerando reduzir seu balanço patrimonial de forma gradual e consistente à taxa de cerca de US$ 1 trilhão por ano.
Um plano definitivo ainda não foi anunciado, e mesmo quando esse plano estiver em vigor, mudanças podem ser feitas quanto ao tamanho, ritmo e equilíbrio entre os runoffs passivos (vencimentos) e ativos (vendas). E as consequências desse plano são complicadas pelo fato de que o Fed aumentará as taxas de juros simultaneamente.
Este não é apenas um ciclo de aumento de taxa. Com o Fed já bem atrás da curva de inflação, um número crescente de analistas de Wall Street aumentou suas previsões para incluir vários movimentos de 50 pontos-base. A taxa terminal também está subindo, aumentando as preocupações de que, agora que está sendo forçado, principalmente por suas próprias decisões e equívocos quanto à inflação, a correr atrás e recuperar o atraso, o Fed pode acabar empurrando para uma recessão uma economia que, por muito muitos anos, estava condicionada a conviver com taxas próximas de zero e amplas injeções de liquidez.
O impacto nos mercados
O impacto absoluto é claro. Ao reverter seu papel como um grande comprador regular e não comercial de títulos do governo, o Fed está encerrando seu prolongado regime de liquidez ultra-frouxo que reprimiu fortemente os rendimentos em todo o complexo de títulos do governo. Como uma influência autônoma de preços, o impacto pode ser bastante pronunciado, uma vez que o impacto direto é acentuado pela probabilidade de que outros detentores reais e potenciais dos títulos que o Fed pretende reduzir adaptem seu comportamento.
Embora a direção de curto prazo dos rendimentos seja clara – segmentos da curva se inclinaram, com rendimentos de 10 e 30 anos subindo para o nível mais alto desde 2019 – o tamanho e o momento dos movimentos futuros são muito mais difíceis de determinar. A incerteza está relacionada a outras influências nas taxas de rentabilidade das obrigações de dívida pública, incluindo a evolução da economia real.
Ainda mais interessante é o impacto relativo.
Até agora, a maioria das outras classes de subativos do complexo de renda fixa lidou relativamente bem com rendimentos governamentais mais altos e mais voláteis. O que ainda não está claro é se essa volatilidade contínua de rendimentos desestabilizará outros fatores de risco, como crédito, liquidez e funcionamento do mercado.
Caso isso aconteça, as ações também podem ser afetadas depois de terem se beneficiado significativamente do condicionamento induzido pelo Fed, que tornou os valuations uma função do TINA (não há alternativa às ações), do FOMO (o medo de perder mais um movimento mais alto para as ações) e, portanto, do BND (compre na baixa, independentemente de sua causa).
O Impacto na Economia
Tradicionalmente, rendimentos mais altos influenciaram a economia real por meio de três canais: acessibilidade, riqueza e sentimento de risco.
Os efeitos do canal de acessibilidade, que são tradicionalmente transmitidos principalmente por meio de moradias e carros, serão moderados desta vez por interrupções no fornecimento na indústria automobilística. Da mesma forma, eles serão moderados para as empresas, já que muitas delas aproveitaram as condições financeiras ultrafrouxas para estender sua dívida de baixo custo e reduzir seus custos de manutenção.
Os efeitos indiretos para ambos, no entanto, serão fortes, dado o número crescente de famílias e empresas que enfrentam custos cada vez maiores, principalmente devido aos altos preços de alimentos e energia.
O efeito riqueza é algo mais incerto. Sem dúvida, anos de política monetária altamente acomodatícia elevaram ainda mais os preços dos ativos. A reversão imediata, no entanto, é uma função também de até que ponto os investidores estão dispostos a pensar em riscos absolutos e não apenas relativos.
Isso está relacionado ao sentimento geral de risco. É provável que haja uma erosão, mas o ritmo e a magnitude dependerão em grande parte do que acontece no forte mercado de trabalho do país.
Resultado final
Mesmo essa análise estreita dos efeitos do aperto quantitativo destaca a natureza multifacetada e fluida da mudança no paradigma de liquidez do Fed. Embora permaneçam incertezas significativas, também há conclusões claras neste estágio inicial: a redução no balanço do Fed provavelmente terá consequências, os contornos amplos de onde os efeitos serão sentidos são claros, mas a magnitude e o momento específicos são impossíveis de definir agora com um alto grau de certeza.
Mohamed A. El-Erian é colunista da Bloomberg Opinion. Ele é presidente do Queens’ College, Cambridge; consultor econômico principal da Allianz SE, empresa controladora da Pimco, onde atuou como CEO e co-CIO; e presidente da Gramercy Fund Management. Seus livros incluem “The Only Game in Town” e “When Markets Collide”.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, localization specialist da Bloomberg Línea.
Veja mais em bloomberg.com
Leia também