Como o êxodo das creches nos EUA está afetando a economia

Mães e pais que precisam (ou querem) voltar ao mercado de trabalho ficam inertes por escassez de mão de obra no setor de educação infantil

Ex-funcionária de creche agora é professora de jardim de infância em uma escola pública, depois de deixar a profissão de cuidador de crianças
Por Olivia Rockeman - Reade Pickert
29 de abril, 2022 | 06:56 PM

Bloomberg — Os baixos salários, o trabalho exigente e a falta de benefícios levaram os trabalhadores de creches a deixar o setor permanentemente durante a pandemia – criando um efeito dominó no resto da economia dos Estados Unidos.

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O emprego em serviços de creche permanece mais de 10% abaixo dos níveis pré-covid, em comparação com apenas 1% para o mercado de trabalho em geral. Dados do LinkedIn sugerem que muitas dessas mulheres (que constituem quase completamente o mercado de trabalho do setor) mudaram para outros empregos, principalmente na área educação.

Sarah Mallett, de 32 anos, é uma delas. Ela trabalhou em uma instituição de educação infantil no Maine por quase nove anos, sofrendo para pagar suas dívidas estudantis com seu salário por hora antes de deixar o cargo durante a pandemia para lecionar em uma escola pública.

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“Era onde meu coração e minha alma estavam”, disse Mallett sobre trabalhar com crianças mais novas. “Mas quando fechamos e ficamos sem trabalhar por três meses, foi quando eu soube que precisava mudar minha renda e minha segurança e encontrar uma maneira de obter benefícios.”

Diferença no percentual de usuários do LinkedIn que trabalhavam em creches

A escassez de pessoal – juntamente com as milhares de creches que nunca reabriram – deixa cerca de 460 mil famílias com dificuldades para encontrar alternativas, com base nas estimativas da Wells Fargo & Co. (WFC), mantendo alguns desses pais e especialmente mães fora da força de trabalho. Como os economistas da Wells Fargo colocaram em nota no mês passado: os desafios do setor de creches estão tornando a contratação mais difícil e cara para todos os setores.

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A covid-19 exacerbou a escassez pré-existente em um setor conhecido por sua alta rotatividade, fazendo com que centenas de milhares de funcionários perdessem seus empregos quando as creches foram fechadas.

Com a recuperação da economia, o mercado de trabalho levou empregadores de varejistas a redes de restaurantes a aumentar os salários para pelo menos US$ 15 por hora, ampliar benefícios e oferecer flexibilidade de trabalho para atrair candidatos. O setor de creches é incapaz de competir financeiramente. Isso significa que, em média, as pessoas que cuidam de bebês e crianças pequenas geralmente ganham muito menos do que aquelas que trabalham em uma loja ou armazém local.

Os provedores afirmam que não podem cobrar dos pais muito mais do que já cobram – as famílias gastam em média cerca de 13% de sua renda com cuidados infantis no país. O auxílio financeiro pela pandemia ajudou algumas creches a aumentar os salários temporariamente. Mas sem o apoio sustentado do governo, os empresários dizem que não podem arcar com aumentos salariais sustentáveis.

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“Você quer pagar às pessoas o que elas deveriam receber, mas, ao mesmo tempo, isso significa que você precisa cobrar muito mais dos pais para isso”, disse Tieraney Rice, proprietário da Gilmore Prep Academy, uma pré-escola na cidade de Greer, na Carolina do Sul.

O trabalhador médio de creche ganha cerca de US$ 12,40 por hora – ou US$ 25.790 por ano, segundo dados de maio de 2021 do Bureau of Labor Statistics. Isso é pouco acima do nível de pobreza para uma família de três pessoas no país, de acordo com dados do governo. Em outros cargos, a média é de US$ 28,01 por hora.

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Sarah Mallett agora é professora de jardim de infância em uma escola pública, depois de deixar a profissão de cuidador de crianças. Fotógrafo: Tristan Spinski/Bloomberg

No estado do Maine, onde o salário médio por hora para trabalhadores de creches é inferior a US$ 15, Tara Williams, diretora executiva da Associação do Maine para a Educação de Crianças Pequenas, disse que viu educadores partirem para lojas de conveniência, salões de beleza e até abrir um negócio de fotografia.

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“Vemos placas por toda parte em grandes lojas de varejo, cafeterias, restaurantes – todo mundo está contratando – e todas mostram US$ 17, US$ 18, US$ 19″, disse Williams. “E isso geralmente inclui bônus iniciais e pacotes de benefícios.”

Uma análise do LinkedIn constatou que a parcela de usuários dos EUA que trabalham em creches diminuiu 11% em 2020 e mais 16% em 2021. Durante os três anos que antecederam a pandemia, essa fatia aumentou – embora em ritmo decrescente.

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Excluindo cargos de ensino, as próximas funções de pessoas que saem da área incluem assistentes administrativos, vendas e atendimento ao cliente. Alguns também aceitaram empregos como enfermeiros ou recepcionistas.

O impacto na qualidade dos cuidados é generalizado. Dois terços dos educadores da primeira infância disseram que a falta de pessoal está afetando sua capacidade de atender às famílias, de acordo com uma pesquisa da Associação Nacional para a Educação de Crianças Pequenas no início deste ano.

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Os defensores apontam para a necessidade de financiamento do governo para ajudar os prestadores a aumentar os salários dos trabalhadores que geralmente precisam ter um diploma de bacharel – e sustentar suas operações comerciais.

Os EUA são uma exceção entre os países desenvolvidos, investindo relativamente pouco dinheiro público no setor de educação de crianças pequenas. O sistema em grande parte privado depende muito dos gastos das famílias em um momento de suas vidas e carreiras em que os pais geralmente têm recursos limitados, de acordo com um relatório do Hamilton Project da Brookings Institution.

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Embora a reforma do setor geralmente tenha apoio bipartidário, o governo federal não conseguiu concordar com uma nova legislação.

O plano Build Back Better do presidente Joe Biden, que originalmente incluía US$ 400 bilhões para creches e pré-escolas, foi paralisado pelo senador democrata Joe Manchin, que ofereceu um pacote reduzido que não contemplaria o setor de creches.

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Os senadores republicanos Tim Scott e Richard Burr apresentaram um projeto de lei em 22 de março que reautorizaria o programa Child Care and Development Block Grant, fornecendo cerca de US$ 6 bilhões por ano para subsidiar cuidados infantis para famílias trabalhadoras e melhorar as taxas de reembolso para empresas, para que estas possam recrutar e reter funcionários.

O destino desse projeto ainda é desconhecido, mas se for aprovado, poderá expandir a oferta de cuidados infantis e ajudar a cobrir os custos incorridos pelos provedores, disse Cindy Lehnhoff, diretora da National Child Care Association.

“Não há dúvida de que esta não é uma crise que vai melhorar por conta própria”, disse Charlie Joughin, porta-voz do First Five Years Fund, um grupo de militância. “A única solução é um financiamento significativo e sustentado do governo federal.”

Rachel Shelton, ex-professora de escola pública e mãe de dois filhos que mora em Asheville, Carolina do Norte, trabalhava na pré-escola que seus dois filhos frequentavam antes da pandemia. A pré-escola fechou em março de 2020, fechando definitivamente. Agora ela está querendo deixar a área de ensino totalmente.

Como sociedade, simplesmente não valorizamos esse trabalho da mesma forma que fazemos com outros profissionais”, disse Shelton, de 36 anos. “Não estou procurando emprego nessa área no momento, mas gostaria que fosse diferente porque acredito que sou boa nisso e tenho boas habilidades.”

--Com a colaboração de Calyx Stover.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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